Uma boa gestão das finanças públicas é crucial para impor disciplina fiscal, bem como para usar os escassos recursos públicos de forma eficiente e efectiva. Eventuais fragilidades na Gestão das Finanças Públicas e Dívida (GFPD) podem ter implicações de longo alcance atinentes ao desenvolvimento, podendo mesmo criar um fosso entre a formulação de políticas públicas e a sua implementação.
Um novo relatório do GAI avalia o impacto dos esforços implementados para promover uma sólida GFPD (esforços que são ainda mais relevantes no pós-Pandemia da COVID-19). Nele verifica-se que um número crescente de Países de Baia Renda (PBR) deparou-se, novamente, com o elevado risco ou está em situação de endividamento.
À medida que os Governos mudam rapidamente as suas políticas e despesas em resposta à pandemia, os sistemas de GFPD robustos, adequados e flexíveis são cruciais para:
- Garantir o uso de recursos escassos de maneira eficiente, visando conseguir o maior custo-benefício e prevenir o uso não autorizado de fundos.
- Acelerar a execução do orçamento e a disponibilização de fundos cruciais destinados aos serviços públicos essenciais e emergenciais.
- Gerir os custos e riscos inevitavelmente associados a um aumento do endividamento num tão curto espaço de tempo.
Crise da Dívida: sensação de déjà vu?
Mesmo antes do início da pandemia, já era evidente um recrudescimento do endividamento nos Países de Baixa Renda, incluindo aqueles que, no passado, haviam sido alvos de medidas de redução de dívida em larga escala. Desde 2013, o número de países elegíveis para o financiamento da AID, isto é, do fundo do Grupo Banco Mundial para os países mais pobres, em situação de alto risco ou já sobre-endividados aumentou mais que o dobro (de 13 para 34), e a média do rácio da dívida face ao Produto Interno Bruto (PIB) aumentou de 40 para 60%. Entre 2013 e 2018, os pagamentos de juros medianos entre os PBR aumentaram 128%. Tudo isso ocorreu enquanto o Banco e outras entidades aumentavam o seu apoio à gestão da dívida.
A gestão das finanças públicas e da dívida são, geralmente, analisadas em separado, apesar de a importância de uma análise conjunta ter sido claramente reconhecida na 19ª Reconstituição da AID:
«O primeiro desafio é prestar assistência aos países abrangidos pela AID, a fim de assegurar que os benefícios (dos empréstimos) superem os custos de serviço da dívida. A AID e outros parceiros podem colaborar apoiando iniciativas que reforcem a capacidade em áreas como a gestão das finanças, o investimento público... e a gestão da dívida» (p.19)
A complementaridade entre os pilares da GFPD está no centro da nova avaliação do GAI, World Bank Support for Public Financial and Debt Management in IDA – eligible Countries. O relatório abrange a década que se seguiu à crise financeira global de 2008, durante a qual muitos PBR aumentaram os seus empréstimos não-concessionais a curto prazo, sendo a maioria conseguida através de acordos bilaterais e em condições de opacidade. Muitos PBR sentiram igualmente o impacto da baixa de preços das commodities e da realização de passivos contingentes, incluindo aqueles associados às Empresas Estatais. O período em questão caracterizou-se, igualmente, por maior atenção para a despesa e o investimento públicos que promovessem o crescimento para colmatar lacunas ao nível de infra-estruturas e cumprir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e, subsequentemente, os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O apoio do Banco Mundial à GFPD: impactante, porém descoordenado
A avaliação verificou que o apoio do Banco aos países elegíveis para a AID para o reforço da GFPD conduziu a resultados positivos, apesar das suas limitações. Também, contribuiu para o lançamento de sistemas de informação de gestão financeira visando monitorar e gerir as despesas públicas, mas teve menos êxito no incentivo ao alargamento dos sistemas para incluir transacções de alto valor. Verificou-se, igualmente, um aumento do número de países elegíveis pela AID, que cumpriam os requisitos mínimos para as várias dimensões da capacidade de gestão de dívida, incluindo a elaboração de Estratégias de Endividamento a Médio Prazo e a análise da sustentabilidade da dívida.
Porém, para a maioria dos países mais vulneráveis, o apoio à gestão de dívida não foi sistematicamente acompanhado ou coordenado com esforços visando melhorar a gestão das finanças públicas, apesar do amplo reconhecimento das sinergias entre empréstimos, transparência fiscal e qualidade da despesa e do investimento públicos. Tal facto é considerado problemático, porque vários PBR estavam a contrair muitos empréstimos a mercados privados e doadores bilaterais para financiar projectos de investimento. Poderiam, assim, ter beneficiado de melhorias nas estruturas e sistemas institucionais, a fim de aumentar a qualidade e eficiência das despesas públicas.
Em resultado disso, as oportunidades de aumentar o impacto do reforço do crescimento de investimentos públicos financiados pelo endividamento foram, provavelmente, desperdiçadas, com todas as consequências negativas para a sustentabilidade da dívida que isso acarreta. O diagnóstico de Gestão do Investimento Público (GIP) foi implementado pelo Banco, em menos de metade dos países elegíveis para a AID, sendo que a procura se concentrou entre os PBR com rendimentos comparativamente mais altos. Dos 32 países elegíveis para a AID em alto risco ou em situação de sobre-endividamento no AF18, apenas 10 receberam apoio à GIP, durante a década anterior.
Visto que a melhoria do impacto de recursos públicos escassos é de cada vez maior relevância, é necessária uma abordagem mais deliberada e coordenada à criação de capacidades no sector da GFPD, se o Banco quiser atingir os 19 objectivos propostos pela AID visando ajudar os países-alvo a assegurar que o fardo da dívida não comprometa a sua capacidade de reduzir a pobreza ou cumprir com as funções essenciais de Governo. A forma descentralizada e descoordenada com que estes diagnósticos foram implementados e usados pelo Banco sugere haver espaço para futuras sinergias, no âmbito dos pilares da GFPD.
O caminho a seguir:
A avaliação recomenda que os funcionários do Banco mantenham uma visão clara e actualizada dos pontos fortes e fracos da GFPD para cada país elegível para a AID, aproveitando as avaliações existentes das principais dimensões do seu impacto. Esta questão já foi abordada dentro dos pilares da GFPD, mas as sinergias entre pilares permanecem sub-exploradas.
Também se recomenda que o Banco apoie de forma mais sistemática as medidas de GFPD nestes países, através de apoio creditício e não creditício melhor sequenciado e complementar. A implementação da nova Política de Financiamento do Desenvolvimento Sustentável e a identificação de performance e acções, neste âmbito, propiciam uma oportunidade para ter uma visão mais holística da GFPD ao nível nacional. No seguimento do choque económico decorrente da pandemia, os esforços para manter um foco mais amplo nos empréstimos e despesas terão cada vez mais importância.
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