Em 2005, o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) apresentaram o Quadro de Sustentabilidade da Dívida em Países de Baixa Renda (QSD-PBR), que se tornou, entretanto, uma pedra basilar nas análises sobre o tema. As Análises de Sustentabilidade da Dívida (ASD) associadas são o “padrão-ouro” de quaisquer avaliações de sustentabilidade da dívida soberana e é através dela que se pode verificar que, nos dias de hoje, 57% dos países elegíveis da Associação Internacional de Desenvolvimento (AID) estão sob alto risco ou já em situação de sobre-endividamento. A credibilidade das avaliações de sustentabilidade da dívida depende, entre outros factores, da disponibilidade e da qualidade dos dados sobre o stock da dívida pública de um país e das suas respectivas garantias públicas, ou seja, saber se os dados são oportunos, precisos e englobam todas as responsabilidades geradoras de dívida.
Uma avaliação recente do GAI sobre o papel do Banco Mundial e o uso do Quadro de Sustentabilidade da Dívida em Países de Baixa Renda (QSD-PBR) revelou que o debate sobre a informação disponível relativa às ASD melhorou desde a reforma do QSD-PBR, em 2017, incluindo no que diz respeito ao passivo contingente. Actualmente, as ASD incluem, regularmente, uma avaliação clara da adequação da divulgação de dados sobre a dívida de um país, embora não avaliem claramente o grau de confiança dos funcionários do BM e do FMI nos dados que servem de base para a sua análise. Além disso, as ASD não articulam, de forma consistente, planos concretos para enfrentar lacunas na divulgação de dados sobre a dívida, particularmente no que concerne às Empresas Estatais (EE) e ao passivo contingente associado.
As análises mais recentes têm assinalado questões relacionadas com a falta de informação uniforme, atempada e consistente sobre a dívida. Muitos Países de Baixa Renda ainda não conseguem atingir os padrões mínimos de registo e divulgação de dívida pública, mesmo antes de serem confrontados com as exigências de monitoria de portfólios cada vez mais complexos e riscos orçamentais associados às Empresas Estatais e parcerias público-privadas. Os fracos enquadramentos legais e institucionais necessários para monitorar e controlar os riscos da dívida de forma abrangente são, geralmente, identificados como problemáticos pelas ferramentas de diagnóstico, tal como a Avaliação do Desempenho e Gestão da Dívida (ADGD). Também pode haver diferenças ao nível local com as definições estabelecidas em convenções internacionais, o que pode complicar a reconciliação de dados entre os registos de devedores e credores, impedindo, assim, a comparação entre países. Uma análise recente do Banco Mundial revelou que a informação divulgada sobre a dívida pública em diferentes publicações apresenta discrepâncias que podem chegar aos 30% do Produto Interno Bruto (PIB).
Os países elegíveis para a AID com obrigações pendentes para com o Banco Mundial estão legalmente obrigados a divulgar a sua dívida pública externa e suas responsabilidades em matéria de dívida pública trimestral e anualmente ao Sistema de Notificação de Dívida (SND) do Banco Mundial. O SND oferece uma análise detalhada de dados sobre a dívida, com a mais ampla cobertura de dívida externa entre as várias bases de dados sobre a dívida do Banco Mundial e do FMI. A maioria dos países elegíveis para a AID cumpre as obrigações do SND em termos de reporte detalhado de empréstimo a empréstimo sobre a dívida externa; contudo, durante a última década, um em cada cinco não submeteu os modelos de relatório abrangente, ou naqueles que o fizeram, a qualidade não era satisfatória.
Mesmo nos casos em que a dívida é geralmente reportada, a interpretação e avaliação da sua qualidade pode constituir um desafio. Durante os últimos cinco anos, registou-se uma revisão em alta dos dados sobre a dívida em mais de 60% dos países que reportam ao SND. Em média, o stock da dívida pública externa e publicamente garantida foi revisto em alta até aos 5,3%, de 2016 a 2020. Em vários países, as revisões foram modestas; porém, em 20 países, a revisão em alta foi superior a 10% do stock da dívida inicialmente reportada.
O maior número de revisões ocorreu em PBR, em que a capacidade de reporte e registo da dívida eram deficientes. O stock da dívida pública externa e com garantia pública foi revisto em alta em mais de 10%, em 12 PBR, dos quais 9 se situavam na África Subsaariana. Cinco destes foram classificados como Estados frágeis e afectados por conflitos. Mais do que o resultado de omissões deliberadas, isto resulta, muitas vezes, de uma capacidade inadequada em classificar e reportar operações de dívida cada vez mais complexas no âmbito de diversos portfólios, que incluem riscos orçamentais contingentes associados às EE e às parcerias público-privadas.
A avaliação do GAI recomenda uma maior atenção visando avaliar a qualidade dos dados da dívida.
As actuais directrizes do QSD-PBR não obrigam, explicitamente, uma aferição da qualidade dos dados na ASD. O que isso significaria, em termos concretos? As ASD poderiam incluir, de forma mais regular e explícita, uma avaliação da cronologia de reporte, da frequência das revisões de dados, clareza sobre as fontes de dados, bem como referência às notificações da ADGD relacionadas com o reporte, registo e a integralidade dos dados da dívida nos casos em que um país não tenha cumprido o requisito mínimo de desempenho.
Ademais, o GAI salientou, previamente, que seria benéfico mudar a prática corrente, segundo a qual os relatórios das ADGD são confidenciais, a menos que um Governo decida publicá-los formalmente, assumindo que os relatórios das ADGD seriam publicados, a não ser que um Governo solicite formalmente mantê-los confidenciais. Isso dá, ainda, aos Governos o controlo sobre a publicação, mas implicaria um maior compromisso de transparência. Tais práticas assemelhar-se-iam às do FMI, que, no final dos anos 90, passou dos poucos Relatórios Consultivos ao abrigo do Artigo IV publicados para a situação actual, em que a sua maioria são publicados. Também serviria de incentivo para uma melhor gestão da dívida e qualidade da informação disponível, o que, consequentemente, aumentaria a confiança na qualidade das ASD.
As ASD poderiam, também, discutir mais regularmente planos concretos para enfrentar lacunas específicas de dados, particularmente atinentes às Empresas Estatais e ao passivo contingente associado. Os funcionários do Banco Mundial devem, igualmente, prosseguir com o trabalho de reconciliação de dados da ASD com os dados reportados ao Banco através do SND.
O reforço destes aspectos das ASD impulsionaria os incentivos aos países para produzirem relatórios atempados, precisos e abrangentes sobre os dados da dívida que contribuam para uma assistência técnica mais direccionada às entidades internas responsáveis pelo reporte da dívida. A condução do SND pelo Banco Mundial e a sua gestão da ADGD sugere haver uma vantagem comparativa face aos outros parceiros no sector de desenvolvimento para liderar este tipo de questões e apoiando-se no seu poder de mobilização para trabalhar com outros parceiros, visando promover melhor qualidade e cobertura dos dados da dívida. Este ponto ganha, ainda, mais importância à medida que as análises de sustentabilidade da dívida se tornam cada vez mais cruciais para confrontar as sequelas da Pandemia da COVID-19, o abrandamento da economia global e a crise climática.
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